terça-feira, 19 de agosto de 2008

Noite de estrelas

Um aboio ao longe marca o ritmo. Direciona o gado. Um olhar atento do vaqueiro. Parece tempo esquecidos pelo próprio tempo. Um mundo que só existe hoje pela força dos que não se rendem ao mundo civilizado. Pelos que não têm pressa. O nordeste, assim como qualquer outra região do país, tem uma paisagem bem peculiar. Quem bem conhece sabe. Sabe do que falei sobre o vaqueiro aboiador. Sabe dos pés de Juazeiro, dos Xiquexiques, dos Umbuzeiros, das Juremas espinhosas. Árvores que através de suas sombras, desenhadas pelo sol do meio-dia, registram sua existência no chão amarelado, de forma silenciosa. Sabe, também, do sertanejo e da sua luta diária incansável. Abatido pelo cansaço que o trabalho exige de si e pelo calor que exaure, encontra conforto à sombra de um Juazeiro, agradecido. Dois atores do mesmo ato, em dias que se seguem cheios de esperança. Uma pausa. Limpa o suor da testa com a mão calejada, olha ao redor, contemplando a paisagem tremula. Suspira. Recorda-se de como era tudo antes de chegar a indejesada visita da seca. Reconforta-se ainda mais no tronco da árvore. Sente-se seguro. Lá mais adiante, a mulher e os filhos, cumprem o ritual doméstico. Apressam-se em seus afazeres, como se o tempo realmente importasse. E suas vidas serão consumidas ali, no anonimato de suas existências. Sem dor nem resignação. O mundo para eles era aquilo. À noite, iluminados pelas estrelas e pela lua que observa a humanidade desde sempre, suspiram ao som de vaga-lumes e grilos histéricos, como quem, ao ouvido dos mais apurados, ouvem uma orquestra. O sono chega logo e com ele o descanso. Os sonhos povoados de um bom inverno, de uma boa colheita e de muita fartura, são interrompidos pelo cantar do galo que anuncia mais um dia. De novo, o mundo se descortina, o mundo deles, feito de silêncio e som. E aqui fora, no chamado mundo da civilização, a paz de sentar junto à sombra de uma árvore fica cada vez mais distante.

Um comentário:

Carlos Eduardo disse...

Ei, Zaca!
E tu tocava o surdo, n'era?