sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Clarice e eu

Quase sempre sem querer, a gente acaba enveredando por um ou outro caminho ou gosto literário. Também é quase sempre sem querer que acabamos conhecendo esse ou aquele escritor, seja ainda na infância, na adolescência ou até mesmo na fase adulta. E aí acontecem as paixões. E essas paixões são inevitáveis! Lembro-me que numa dessas tardes quentes, deitado em uma rede cheio de preguiça e conversando com amigos sobre literatura, cronistas, poetas, um amigo recém chegado da cidade de São Paulo, me apresenta Clarice. Eu, que morava numa pequena cidade do interior nordestino, no sertão paraibano, pouco ou nada sabia sobre sua obra. Cheirando a curiosidades, esse meu amigo agora já meio paulistano, me manda uma edição do livro, "A Descoberta do Mundo". Eu nem sabia por onde começar, tamanha era a ansiedade. Compulsivamente, passava os olhos apressados por suas páginas e lia, ainda que de forma aleatória, trechos e mais trechos de seus textos, tentando desvendar todo aquele mundo clariceano que abriria tantos outros mundos. Era de perder o fôlego! Pausas longas eram feitas para que a respiração voltasse ao normal. Lia e relia. Passava adiante. Volta à primeira página. Era preciso entender, ou não. O mais importante é sentir Clarice. Sentir o cheiro de seus personagens, tocar os sentimentos, os nobres e os mesquinhos, ouvir as vozes ora sufocadas, ora histéricas. Enxergar através da cegueira. É preciso mergulhar em seu próprio oceano e desvendar os mistérios. Clarice parece querer revelar algo em nós, mas reservando sempre uma surpresa. Parece querer dizer, falar, mas numa espécie de mudez que nos incomoda. Parece querer mostrar que num gesto que vacila, podemos compreender o incompreensível. E ai, surpreendentemente, revela-se a sua magia. É como querer entender a mágica apenas com a razão, mas sem prestar atenção no mágico. Clarice, nas suas cronicas, revela-se, revela-me, revela-te. E ao mesmo tempo se faz misteriosa. Nos faz anôninmos e nos torna impenetráveis.

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