quinta-feira, 3 de novembro de 2011

"Olha a vela manivela, quem não compra faz novela"

Gostava de ouvir essas palavras cantadas sem nenhuma afinação. "Olha a vela manivela, quem não compra faz novela". O que me chamava à atenção era a rima improvisada e cheia de criatividade das crianças que vendiam caixas de velas no dia de finados na porta dos cemitérios. Lembro-me que, apesar de ser uma data triste para os mais velhos, para nós, crianças, era um dia festivo. Quase comparado a ir ao parque de diversões, tamanha era a expectativa. Um dia esperado o ano todo. Logo ao acordar, a ansiedade já tomava conta. Muitos dos meus primos estariam lá também e se isso acontecesse, a farra estava garantida. A tristeza era algo distante, alcançava só os adultos. Nós, os moleques, na inocência que nos cabia e na ausência da dor da perda, parecíamos inatingíveis. Tudo era diversão. Logo na entrada dava de cara com as rimas estridentes para tal ocasião. Crianças se espalhavam por todo o cemitério, gritando desesperadas e anunciando preços das caixas de velas, que eram disputadíssimas, por sinal. E ali, naquela caixinha sem tanto significado, estava o quê da nossa felicidade. Sem aquelas caixinhas que serviam para iluminar as orações e reverenciar os mortos, não seria possível a nossa diversão. Acender uma vela sequer já nos deixava satisfeito. O sonho realizado, mas ainda não saciado. Difícil mesmo, era aplacar essa vontade de um ano inteiro de espera. Como não podia acender muitas caixinhas de velas, ficava vigiando cada uma delas derreter. Observava as várias formas das chamas e à medida que a noite caia, o cemitério ia se tornando iluminado. O chão parecia um céu estrelado. E ali, na inocência dos meus poucos anos, do meu jeito de criança, acendia uma vela repetindo o gesto de um adulto qualquer e fazia a minha prece, uma prece cheia de alegria.