segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O sonho de Eliézer

Cajazeiras não mais é uma cidade do interior do sertão paraibano. Defiitivamente não mais. Ela agora, também, se faz presente na capital federal. Uma cidade que nem a nossa não poderia limitar-se a um único canto de chão. Cajazeiras ultrapassa, através da geografia do coração do seu povo, linhas sertanejas e se estende Brasil afora. Prova disso, foi o que aconteceu sábado dia 11 de dezembro aqui em Brasília, que se transformou numa pequena Cajazeiras para exibir o filme sobre Padre Rolim. O planalto central tornou-se sertão, não árido, mas fertilizado por cajazeirenses daqui e de longe, que vieram homenagear a nossa história. Das mãos e do sonho de Eliézer Rolim, o homenagedo da noite, nasceu o filme O Sonho de Inacim, que conta a fascinante história de Padre Rolim. Mas não só isso, a película imortaliza, também, a cidade de Cajazeiras nas suas várias dimensões, entre o passado e o presente. Traz o dia a dia, as peculiaridades, as mungangas, a irreverência e a bravura de um povo. Antes de começar a exibição do filme, no entanto, Eliézer, no seu jeito cajazeirense de ser, é um dos personagens que dá vida ao roteiro. Muitos não perceberam, mas nas suas falas O Sonho de Inacim, já havia começado. O nosso conterrâneo, de jeito simples, meio tímido eu diria, que também já emocionou muita gente no teatro, mais uma vez emociona pela delicadeza com que trata os fatos, as vidas, a obra e a história de Padre Rolim. Com os peitos estufados de tanto orgulho, esperamos nervosamente ansiosos pelo filme, porque sabemos, nós também, estamos representados lá, somos parte daquela história. Somos parte quando a gente vê o Cristo Rei, o colégio Diocesano, o Nossa Senhora de Lourdes, a Igerja Matriz, e porque não, quando a gente vê a figura folclórica de Noventa e Nove. Eliézer falou do seu sonho antes de decidir definitavemente sobre as filmagens. Na sua intimidade revelada ali, deixa sair que de jeito nenhum queria trabalhar naquele roteiro. Um filme que traria mais uma história de um padre, talvez, não fosse comercial ou coisa do tipo. Depois pela falta de patrocinadores. Mas o destino, se é que se pode dizer assim, ou mesmo uma mãozinha de Padre Rolim, o fez mudar de idéia. O sonho, que trazia uma mensagem sobre a beleza do sertão, e nessa beleza a história de Padre Rolim, fez o cinesta acordar de súbido e a partir das 3 horas de uma madrugada qualquer, começou a escrever o roteiro que ja rendeu 13 laudas. O destino cumpriu seu dever. Padre Rolim, estava agora, não mais como sonho, mas numa realidade sem volta. Sentindo que a espera pelo início do filme gerava uma certa ansiedade na plateia, Eliézer, sai de cena para dar lugar a sua criação. O cine Éden merecia aquele espetáculo, pensei. E acho que muitos ali presentes também. O filme começa.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Tempo de roubar mangas


Religiosamente a campainha tocava às 7h15min. Mas antes disso, era preciso exercitar a nossa nacionalidade. Todos ao redor da Bandeira, hasteada todos os dias antes das aulas começarem, nos reuníamos para cantar em alto e bom som o hino nacional. Mão no peito e tudo como forma de demonstrar respeito pela pátria. O cenário desse relato é também um caso de amor e uma forma de manter viva a lembrança de tempos que só se perpetuam na memória. Muitos estudaram ou passaram pelo Colégio Diocesano. Tinha nome e reputação imaculados. Era status estudar lá. Farda branca com azul e posteriormente branca com cinza, eram as cores que simbolizam um dos colégios que se confunde com a história da cidade. De arquitetura imponente e localizado num dos pontos mais altos da cidade, o colégio assistia, e ainda assiste, silenciosamente, Cajazeiras crescer e se desenvolver. Enquanto tudo cresce ao seu redor, ele fica esquecido entre muros e paredes cheias de histórias, como se fosse um cartão-postal vivo, mas sem vida. O colégio Diocesano agoniza, verdade, mas mantém-se intocável na lembrança de cada um que por lá passou. Lambranças são muitas. Cheios de nostalgia nosso olhar se volta para a torre da igreja do velho Diocesano, como se quisesse alcançar o que não mais se pode alcançar, nem por mim, nem por ninguém. Sons ainda ecoam nessas lembranças. Como o dos jogos internos, das músicas nos intervalos, das missas, dos ensaios da banda para os desfiles. Tudo isso lhe dava um certo ar de superioridae. Outros, podem lembrar das aulas de educação física, ministradas pelo professor Carlos Ferreira, que nos ensinava, também, como ter disciplina. As competições de espiribol, e sua filas intermináveis esperando o "terceiro", às vezes frustrado pelo som da campainha que anunciava o reinício das aulas. Nesse caldeirão de recordações, cabe aqui colocar as turmas reunidas para conversas longas nos recreios. Gente namorando às escondidas, longe dos olhos do diretor, nosso saudoso Padre Gualberto. Particularmente, lembro que, outro desejo era compartilhado por quase todos os alunos: o de roubar mangas. Roubar no sentido inocente da palavra, no sentido de transgredir um pequena regra. Mangueiras carregadas nos convidavam até. Era mais um convite que propriamente um furto. O que se aplicava ali, era o fato de ser ou não capturado pelo vice-diretor, o implacável Damascena. Era o desafio. O que poderia render uma pequena advertência ou um dia em casa. Entretanto, tinha sempre alguém que se arriscava. Uns, com sucesso total e com a cumplicidade de muitos. Outros, se contorciam nervosamente em frente a Damascena tentando se justificar ou convence-lo do ato falho, arrependido e implorando para ser inocentado, mas talvez, cheio de felicidade pela medalha simbólica que todos recebiam, merecidamente, pela conquista da tão desejada manga. Fiquei sabendo que o Colégio Diocesano não funciona mais. Não como antes. Que hoje abriga silêncio, solidão e descaso a um passado que tanto nos orgulha, e que não se pode perder pela falta de compromisso com a história da nossa cidade. Lembrar do Diocesano é também lembrar de gente. Lembrar de dona Socorro da cantina, de Renê Moésia, de Aldineide, de dona Fátima que ensinava inglês, de dona Fátima de matemática, de Jacinta que ensinava religião, de Peixoto que ensinava química, de Erivaldo professor de geografia, de Assis professor de biologia, de seu Antônio que ensinava física. É lembrar de nós mesmos e de tantas outras coisas que querem nos roubar. Lembrar do Diocesano é também lembrar do tempo de roubar mangas com saudade de um passado que o descaso não pode apagar da nossa indelével memória.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Tereza do Pau e a Mulher Queimada

Do pau era uma espécie de sobronome. Era o sobrenome. Pou, pou, pou... ainda ressoa nos meus ouvidos essa onomatopéia. Tereza era uma mulher cheia de personalidade e uma viajante em si mesma. Uma mulher de uma elegância reciclável. Andava pelas ruas da cidade, espalhando medo e admiração. Não tinha lar. A rua era o seu lar. Mas nem sempre foi assim, dizem os mais velhos. A Mulher Queimada também tinha a rua como um lar. E as tristes lembranças como companhia. Ambas pareciam livres, mas presas por um passado amargurado e sem cor. Por um passado que se perdeu junto com a memória. Segundo se sabe, Tereza foi uma educadora, tinha família. A Mulher Queimada também tinha sua história. Imortalizadas como os mitos, tornaram-se conhecidas, uma pelo som que emitia e a outra, por andar sempre com uma espécie de cajado. Ambos usados para se defender, imagino. Sempre elegante, Tereza vestia trapos que combinavam plásticos com tecidos alegres. Gostava de estar pronta. Seus cabelos, quando não estavam presos por panos velhos, mostravam-se cuidadosamente penteados e tingidos por uma cor que parecia da moda. Nas maçãs do rosto, uma maquiagem avermelhada para, talvez, apagar a pálida sensação que a perseguia, a de não ser mais quem era. Pou, pou, pou... emitia mais uma vez seu som a Mulher Queimada, que não pareciam um descontentamento. Seu grito parecia mais uma espécie de saudação por ainda estar viva. Sim, porque segundo contam, ela ateou fogo a si própria. Uma desulisão amorosa, dizem. De aparência frágil e por andar sempre amparada por seu inseparável cajado, a Mulher Queimada o segura, como se fosse a única coisa que a mantivesse de pé, equilibrada, uma vez que desabou sobre a própria e imutável certeza, a de estar segura. Nunca me pareceu indignada, sempre me pareceu aceitar o seu destino como só os grandes o fazem. Tereza era grande, imponente, embora estivesse vestida como mendinga, pareceia ser uma dessas personalidades importantes em noite de festa recepcionando seus convidados com o melhor vinho e a melhor comida. E de certa forma estava. Estava a mostrar que ainda caída, estava de pé. Tereza não morreu, nem tão pouco a Mulher Queimada. Porque mitos não morrem jamais. E nem lutaram para tal merecimento, apenas desfilaram pelas ruas como majestades de si mesmas e rainhas de seus castelos contruídos sobre ruínas e escombros, vestidas do pouco da dignidade que lhes restavam. Mantinham-se quase eretas. Pou, pou, pou, um som que guardo como se fosse para ser guardado e só. Tereza esqueceu-se para ser lembrada, a Mulher Queimada também.

terça-feira, 4 de maio de 2010

De pequenas coisas

Uma pequena fila se formava logo no início da noite. Mal as luzes se acendiam e todos estavm lá, para garantir o seu lugar, o melhor lugar. Fragrâncias passeavam ao vento espalhando a liberdade de escolha. Cabelos ainda molhados revelavam a impaciência em se aprontar para tal evento. As mães queriam caprichar na roupa, no penteado, no perfume, mas os filhos queriam mesmo era estar lá, de prontidão para não perder nenhum acontecimento, nem mesmo antes da grande cortina vermelha se abrir. Era uma novidade que, apesar de não apresentar nada de tão novo assim, sempre trazia expectativas. Um beijo de relance e os pés já se encontravam apressados pelas ruas que levavam até a grande hora. O empurra empurra era de costume. Ninguém queria ser o último a entrar. Bem acima das cabeças nervosas, o colorido de lonas gigantes aguçavam mais ainda a curiosidade. Todos querendo advinhar o que ia se passar lá dentro, embora quase sempre soubessem. Os pensamentos eram povoados por mulheres barbadas, talvez, por homens pequeninos, palhaços, animais ferozes, trapezistas, malabaristas. Algo que tivesse sido visto em outro show. Mas nada tirava o brilho, nada fazia com que a respiração ficasse mais ofegante e o coraçãozinho mais palpitante. Antes mesmo de entrar, já imaginavam-se as cenas, as gargalhadas, as brincadeiras dos palhaços, momento mais esperado por todos. Já dentro, o sonho realizado, o sorriso de satisfação, a cara abobalhada diante dos mágicos, a respiração que deixava todos suspensos. A magia mais uma vez se repetia. As expectativas mais uma vez atendidas. Aplausos e mais aplausos. Um aceno e a cortina se fecha guardando seus outros segredos que serão revelados em mais uma noite de espera. E o alvoroço, mais uma vez, dá lugar a calmaria para uma nova espera, para novas sonhos. Um mundo de sonhos feito de pequenas coisas.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um homem chamado João de Manezim

Os tempos são outros, mas a alegria e a irreverência são as mesmas. João de Manezim é mesmo um contentamento. Quem nunca o viu, de perto logo reconhece aquele paraibano que todo mundo, todo cajazeirense já ouviu falar. Engraçado, jeito de menino, desinibido, simples. Essas são algumas impressões que ele nos passa. Mas João é mais que isso. É, antes de tudo, um sertanejo forte. Um guerreiro e porque não dizer um político que sabe cativar as pessoas. E João é, acima de tudo, emoção. Foi isso o que primeiro me chamou à atenção quando o vi no aeroporto emocionado. Surpreso com uma recepção mais que merecida, João de Manezim, parou por alguns instantes e, talvez, tenha se perguntado se merecia àquela homenagem. De aparência frágil, foi chegando de mansinho. Assustado por se encontrar longe de seu habitat natural foi logo dizendo, como forma de “quebrar o gelo”, que nunca saiu de sua região. Com traços fortemente marcados pela ação implacável do tempo, que faz questão de imprimir sua marca, João, revela sinais expressivos de alguém que vive no seu tempo. E fora dele. Ao vê-lo “pinotando” no salão de desembarque percebi que sua alma não envelheceu, porque a alma nunca envelhece. Cansado da viagem, João não perdeu a leveza e a sua pureza de menino sorridente e travesso. Parou diante da sua aventura e a colocou debaixo do braço como se fosse uma fantasia de carnaval. Porque pra João de Manezim a vida parece ser sempre um carnaval. Nessa sua vinda à Brasília, que comemora seus 50 anos, João de Manezim é um convidado ilustre. Ilustre por ser o representante da nossa Cajazeiras. Ilustre por ser gente, terra, ser água do açude grande, ser da praça do “Padim Ciço”, ser acima de tudo figura de nosso povo. Junto a tantos outros conterrâneos, João lançou a pedra fundamental da Associação dos Cajazeirenses e Cajazeirados, aqui na capital. O seu amor a Cajazeiras revela isso melhor que essas palavras. Quem sabe amar seu lugar, sabe respeitar, sabe elogiar, sabe cuidar e sabe mostrar, mais que qualquer outra pessoa, os seus valores, sua gente e sua alegria. Na emoção ao ver a bandeira ser hasteada, João de Manezim, revelou sua grande paixão pela cidade que ensinou a Paraíba a ler, e isso diz tudo.