quinta-feira, 6 de maio de 2010

Tereza do Pau e a Mulher Queimada

Do pau era uma espécie de sobronome. Era o sobrenome. Pou, pou, pou... ainda ressoa nos meus ouvidos essa onomatopéia. Tereza era uma mulher cheia de personalidade e uma viajante em si mesma. Uma mulher de uma elegância reciclável. Andava pelas ruas da cidade, espalhando medo e admiração. Não tinha lar. A rua era o seu lar. Mas nem sempre foi assim, dizem os mais velhos. A Mulher Queimada também tinha a rua como um lar. E as tristes lembranças como companhia. Ambas pareciam livres, mas presas por um passado amargurado e sem cor. Por um passado que se perdeu junto com a memória. Segundo se sabe, Tereza foi uma educadora, tinha família. A Mulher Queimada também tinha sua história. Imortalizadas como os mitos, tornaram-se conhecidas, uma pelo som que emitia e a outra, por andar sempre com uma espécie de cajado. Ambos usados para se defender, imagino. Sempre elegante, Tereza vestia trapos que combinavam plásticos com tecidos alegres. Gostava de estar pronta. Seus cabelos, quando não estavam presos por panos velhos, mostravam-se cuidadosamente penteados e tingidos por uma cor que parecia da moda. Nas maçãs do rosto, uma maquiagem avermelhada para, talvez, apagar a pálida sensação que a perseguia, a de não ser mais quem era. Pou, pou, pou... emitia mais uma vez seu som a Mulher Queimada, que não pareciam um descontentamento. Seu grito parecia mais uma espécie de saudação por ainda estar viva. Sim, porque segundo contam, ela ateou fogo a si própria. Uma desulisão amorosa, dizem. De aparência frágil e por andar sempre amparada por seu inseparável cajado, a Mulher Queimada o segura, como se fosse a única coisa que a mantivesse de pé, equilibrada, uma vez que desabou sobre a própria e imutável certeza, a de estar segura. Nunca me pareceu indignada, sempre me pareceu aceitar o seu destino como só os grandes o fazem. Tereza era grande, imponente, embora estivesse vestida como mendinga, pareceia ser uma dessas personalidades importantes em noite de festa recepcionando seus convidados com o melhor vinho e a melhor comida. E de certa forma estava. Estava a mostrar que ainda caída, estava de pé. Tereza não morreu, nem tão pouco a Mulher Queimada. Porque mitos não morrem jamais. E nem lutaram para tal merecimento, apenas desfilaram pelas ruas como majestades de si mesmas e rainhas de seus castelos contruídos sobre ruínas e escombros, vestidas do pouco da dignidade que lhes restavam. Mantinham-se quase eretas. Pou, pou, pou, um som que guardo como se fosse para ser guardado e só. Tereza esqueceu-se para ser lembrada, a Mulher Queimada também.

terça-feira, 4 de maio de 2010

De pequenas coisas

Uma pequena fila se formava logo no início da noite. Mal as luzes se acendiam e todos estavm lá, para garantir o seu lugar, o melhor lugar. Fragrâncias passeavam ao vento espalhando a liberdade de escolha. Cabelos ainda molhados revelavam a impaciência em se aprontar para tal evento. As mães queriam caprichar na roupa, no penteado, no perfume, mas os filhos queriam mesmo era estar lá, de prontidão para não perder nenhum acontecimento, nem mesmo antes da grande cortina vermelha se abrir. Era uma novidade que, apesar de não apresentar nada de tão novo assim, sempre trazia expectativas. Um beijo de relance e os pés já se encontravam apressados pelas ruas que levavam até a grande hora. O empurra empurra era de costume. Ninguém queria ser o último a entrar. Bem acima das cabeças nervosas, o colorido de lonas gigantes aguçavam mais ainda a curiosidade. Todos querendo advinhar o que ia se passar lá dentro, embora quase sempre soubessem. Os pensamentos eram povoados por mulheres barbadas, talvez, por homens pequeninos, palhaços, animais ferozes, trapezistas, malabaristas. Algo que tivesse sido visto em outro show. Mas nada tirava o brilho, nada fazia com que a respiração ficasse mais ofegante e o coraçãozinho mais palpitante. Antes mesmo de entrar, já imaginavam-se as cenas, as gargalhadas, as brincadeiras dos palhaços, momento mais esperado por todos. Já dentro, o sonho realizado, o sorriso de satisfação, a cara abobalhada diante dos mágicos, a respiração que deixava todos suspensos. A magia mais uma vez se repetia. As expectativas mais uma vez atendidas. Aplausos e mais aplausos. Um aceno e a cortina se fecha guardando seus outros segredos que serão revelados em mais uma noite de espera. E o alvoroço, mais uma vez, dá lugar a calmaria para uma nova espera, para novas sonhos. Um mundo de sonhos feito de pequenas coisas.