quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O mar

Depois de viajar mais de 8 horas, numa estrada que parecia não ter fim, eis que chegamos ao nosso destino, a cidade de Salvador. Não fosse um dia ensolarado e de um calor sufocante, as sensações teriam sido melhor percebidas em mim. A cidade parecia calma. Eu, porém, agitado, lembro-me perfeitamente como olhei para o infinito, ao mesmo tempo em que passeava com os olhos por todos os becos e ruas, a procura do que não mais podia se esconder. Tomava conta de mim uma inquietação que me fazia parecer demasiadamente cansado. E era na respiração ofegante que se escondia o meu desejo. E como eu desejava aquele momento. Tudo aconteceu sem eu esperar. Eu, absorto em devaneios e embriagado pela magia, deixava-me ser levado por todos os pensamentos. Preso, somente, por uma mão que parecia adivinhar a minha premeditada fuga. E num gesto que vacila, deixou-me escapar. No mesmo instante, as pernas agitaram-se. O peito se encheu de ar. E lá estava eu, farejando o que vinha não sabia de onde. Até que de repente, lá estava ele, todo inteiro na minha frente. Fiquei ali, parado, olhando. Tentando entender como quem procura entender as coisas um menino de 10 anos. Era o mar. Ainda posso ouvi-lo como da primeira vez. Posso sentir a brisa. O cheiro. Como era grande. E belo. E assustador. À minha cola, estava a minha irmã, tão assustada quanto eu. Num impulso que não cabia ali se quer um milésimo de tempo, tirei a camisa, tênis, dobrei as pernas da calça jeans e fui entrando devagarinho na água, numa espécie de ritual sagrado. E era. Pra mim era. Tateando com os pés o solo. Apoiando-me. Sentindo o seu temperamento. Ondas leves, que mais pareciam uma espécie de carinho. E depois, mergulhei por inteiro até me sentir purificado, como se o tempo todo que eu desejei estar ali tivesse sido apagado nas águas cheias de sal que arde os olhos e deixa a boca salgada. Aaah, o marrrrrrr!

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Convite

Pode sentar-se. Chegue mais perto. É uma leitura rápida, simples. Não tem nenhum risco incalculável, mas uma sonoridade em cada palavra. Escute. Mas escute como se estivesse ouvindo uma cachoeira de águas cheias de mistérios. Mergulhe além do superficial. É ai onde tudo acontece. Arrisque-se. Entender ou não é o caminho. Só não me pergunte onde tudo isso vai dar. Porque eu não sei. Simplesmente vou desenrolando um novelo de lã e a cada minuto vai se revelando algo, não só pra você, mas também pra mim. As palavras tem mundos próprios, acredite. Nós somos a presa fácil e ninguém está imune. Não tem escolha, acontece. Torna-se um vício. Procure descobrir como eu também procuro. É isso. Fica o convite.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Parabéns Cajazeiras!

Todo mundo tem uma paixão secreta, acredito! Seja ela qual for. Mas sei também que todo mundo tem uma paixão explicitamente declarada. Hoje, sexta-feira, 22 de agosto pode ser, para algumas pessoas uma data comum, um dia sem nenhum brilho especial. Uma ou outra pessoa pode até puxar pela memória e ser pego de surpresa ao lembrar, ainda que de maneira atrasada, o aniversário de alguém. Eu, porém, vou mais longe, se me permitem. Vou voltar no tempo e arriscar algumas emoções. 22 de agosto é a data de aniversário da minha cidade natal, a minha amada Cajazeiras. "Terra que ensinou a Paraíba a ler". Cidade que viveu tempos memoráveis do cinema, onde olhos curiosos acompanhavam ansiosos o mundo que se descortinava frente às enormes telas do Cine Éden e do Cine Apolo XI. Ali, muitos se conheceram e, possivelmente, se apaixonaram, como se a vida quisesse imitar a arte. Cidade que tem, às margens do Açude Grande, um por do sol poético. Que Tem os famosos colégios Diocesano, Nossa Senhora de Lourdes e o Nossa Senhora do Carmo, Carmelita, como é chamado, e de educação rigorosa. Os colégios Estadual, Polivalente, Dom Moisés, Comercial. Tem a Catedral Nossa Senhora da Piedade e a Igreja Matriz, com sua pracinha de cidade de interior e um coreto melancólico e solitário, que nos faz voltar no tempo. Terra de gente católica, que tem como símbolo da fé um Cristo de braços abertos. Cajazeiras hoje deve estar em festa. Antes estaria. E era festa das grandes. Os desfiles em comemoração a sua fundação, eram verdadeiros motivos de grandes expectativas. Os ensaios das "bandas" de cada escola, se sucediam cansativos, mas cheios de entusiasmos. Cada um queria render sua homengaem à cidade. Numa das principais avenida da cidade que leva o nome de seu fundador, Padre Rolim, os dobrados emocionavam o público. Um amontoado de gente formava um verdadeiro corredor humano para ver o desfile passar. Alguns nem respiravam. Cada centímetro era disputadíssimo. E a cidade lá, acolhendo cada nota como homenagem. Cajazeiras dos festivais da canção, dos festivais de teatro, das semanas universitárias, dos jogos escolares. A cidade que tem como um dos cartões postal, a Praça João Pessoa, famosa por ter sido a rua onde todos se encontravam durante o final de semana e vivido ali os grandes carnavais. Cajazeiras do Tênis Clube. Da AABB. E como não poderia deixar de lembrar aqui, Cajazeiras das oiticicas, pedaço da cidade que adolescia com a sua juventude a cada final da manhã. Cajazeiras de tantas outras lembranças. Cajazeiras minha paixão!

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Noite de estrelas

Um aboio ao longe marca o ritmo. Direciona o gado. Um olhar atento do vaqueiro. Parece tempo esquecidos pelo próprio tempo. Um mundo que só existe hoje pela força dos que não se rendem ao mundo civilizado. Pelos que não têm pressa. O nordeste, assim como qualquer outra região do país, tem uma paisagem bem peculiar. Quem bem conhece sabe. Sabe do que falei sobre o vaqueiro aboiador. Sabe dos pés de Juazeiro, dos Xiquexiques, dos Umbuzeiros, das Juremas espinhosas. Árvores que através de suas sombras, desenhadas pelo sol do meio-dia, registram sua existência no chão amarelado, de forma silenciosa. Sabe, também, do sertanejo e da sua luta diária incansável. Abatido pelo cansaço que o trabalho exige de si e pelo calor que exaure, encontra conforto à sombra de um Juazeiro, agradecido. Dois atores do mesmo ato, em dias que se seguem cheios de esperança. Uma pausa. Limpa o suor da testa com a mão calejada, olha ao redor, contemplando a paisagem tremula. Suspira. Recorda-se de como era tudo antes de chegar a indejesada visita da seca. Reconforta-se ainda mais no tronco da árvore. Sente-se seguro. Lá mais adiante, a mulher e os filhos, cumprem o ritual doméstico. Apressam-se em seus afazeres, como se o tempo realmente importasse. E suas vidas serão consumidas ali, no anonimato de suas existências. Sem dor nem resignação. O mundo para eles era aquilo. À noite, iluminados pelas estrelas e pela lua que observa a humanidade desde sempre, suspiram ao som de vaga-lumes e grilos histéricos, como quem, ao ouvido dos mais apurados, ouvem uma orquestra. O sono chega logo e com ele o descanso. Os sonhos povoados de um bom inverno, de uma boa colheita e de muita fartura, são interrompidos pelo cantar do galo que anuncia mais um dia. De novo, o mundo se descortina, o mundo deles, feito de silêncio e som. E aqui fora, no chamado mundo da civilização, a paz de sentar junto à sombra de uma árvore fica cada vez mais distante.

A coisa dita

Tenho sentido uma necessidade enorme de escrever mais e mais. Parece que quando começamos a invadir o mundo das palavras, irremediavelmente, elas, invadem também a nós, numa espécie de manifestação perturbadora. Enquanto não sentamos à mesa e começamos a escrever, instala-se uma inquietação, como se fosse algo orgânico. Um preço a se pagar. Escrever sempre me pareceu demasiadamente difícil. E ainda o é. Trata-se de atingir a perfeição em cada frase, de criar a sensação exata de cada coisa dita. Caso contrário, pura perda de tempo. Um desafio constante que tento controlar, como se fosse um cavalo indomável, naturalmente livre a correr pelos campos. E é ai onde não podemos deter, porque a beleza de um cavalo selvagem, está na sua liberdade.

Como diz padre Fábio de Melo:
"Eu sou um contador de histórias...
Gosto de me aventurar no universo das palavras,
gosto de vê-las clamando por minhas mãos,
desejosas de sairem da condição de silêncio.
Escrever é uma forma de desvendar o mundo".

Agradeço ao meu grande e estimado amigo Gastão, por fazer chegar às minhas mãos essas lindas e tantas outras palavras. Obrigado!

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Superação

Chega a emocionar os esforços e a garra com que os nosso atletas disputam as Olimpíadas de Pequim. E aqui cabe todos, sem excessão! Ali estão anos de muita dedicação, luta, dias de treino, dificuldades e muito, muito talento. Talentos esses que não são, na grande maioria das vezes, incentivados, seja através de uma política de esportes por parte do próprio governo, seja por empresas privadas ou de capital misto, como meio de contribuição social, seja como lazer ou qualquer outra coisa que valha para que a trajetória a ser seguida seja mais uma peregrinação rumo ao sucesso, que uma rumo ao calvário. Todos esses atletas com suas exemplares histórias de luta são, para mim, ouros, diamantes. E suas conquistas vão muito além, muito além de qualquer premiação. Fico imaginando o dedicar-se de cada um deles. O turbilhão de emoção que toma conta de suas vidas. O dia a dia dos treinos, às vezes insuportavelmente cheios de sacrifícios. Me vejo em cada um deles, assim como deve acontecer com muitos outros milhões de brasileiros. Quando vencem, vencemos juntos, compartilhamos da mesma alegria. E quando perdem, nos sentimos verdadeiramente derrotados, como se fosse cada um de nós que estivesse lá, na disputa, no campo, na quadra, na pista, na água, nas barras assimétricas, no solo. Um espectáculo que cada um de nós assiste na esperança de que mais uma medalha seja conquistada, mas ela, antecipadamente, já o foi. As medalhas desses nosso atletas em Pequim, valem mais do que qualquer outra, são medalhas honrosas, feitas de luta, de paixão pelo esporte, de amor pelo nosso país que, injustamente, nem sempre os reconhece. São medalhas de superação. Pois em cada uma delas, também nós, estamos representados.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A Borboleta II

Depois de um longo período de silêncio solitário que chegou a me incomodar, fui novamente surpreendido por mais uma invasão. Nesse espaço de tempo já havia esquecido completamente as cores que davam corpo à Borboleta que me apareceu do nada. Calei-me diante da sua nova visita. Me sentindo um pouco mais desconfortável que da primeira vez, percebi que era eu e não ela, que estava invadindo a sua intimidade. O mundo parecia pertencer mais a ela do que a mim, até mesmo o meu apartamento. Ela imóvel, fitava-me como se quisesse me questionar sobre a minha tamanha capacidade de guardar segredos. Continuei andando de um lado para outro do quarto, e ela lá, fotografando com seus olhos de realidade, o que ao seu redor acontecia. A cada movimento feito, ela acompanhava. Me sentia completamente desnudo por aquele inseto que de tão real e colorido se tornava uma espécie de vigia. E na sua mais absoluta incompreensão sobre a humanidade, por não ser humano, parecia compreender o significado de tudo. Parecia querer me revelar, em forma de segredo dos amantes, todos os seus, os mais íntimos. Foi quando eu, talvez num gesto de lucidez e medo, assustei-a, para que ela, agora já num voo licencioso, pudesse levar consigo, além dos mistérios e os segredos que guardava em as suas asas, o silêncio de quem vive a experimentar. Eu porém, preferi os meus, os segredos dos simples mortais!

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Uma vez, um tamanco azul

Usando um pouco da Clarice que mora em mim, tenho o dever de revelar tudo que sinto ou vejo. Nessa fase de "memórias", a qual me encontro, como bem falou um amigo meu esses dias, tento buscar lá no passado coisas que me marcaram ou me deixaram, no mínimo, alguma impressão. Coisas que parecem inacabdas, mas que ainda se mostram bem vivas em mim. A história do tamanco azul é uma dessas memórias que não quer calar! Numa noite de pouca lua e com uma previsão de tempo nada tranquilizadora, estávamos todos nós, pais e irmãos, a fazer o que era de costume, ir passear na pequena vila onde moravam os nosso familiares, parentes e amigos. Isso era quase uma obrigação. Naquele tempo, meados dos anos 70, morando em uma pequena popriedade rural, as dificuldades eram muitas. Não tínhamos luz elétrica, nem água encanada, nem carro ou qualquer outra coisa que se assemelhasse à modernidade. E as dificuldades não paravam por ai. Pois bem, numa dessas noites depois de visitar toda a parentada, voltando pra casa, com um tempo já meio chuvoso e com trovoadas, caminhávamos a passos largos. Eu, pequeno, tentava, ainda que sem sucesso, alcançar meus pais e meus irmãos mais velhos que, apressadamente, iam me guiando na escuridão. Minha irmã mais nova, se protegia nos braços do meu pai, que cada vez apressava o passo. A essa altura a chuva já descia violenta. Pingos grossos, vento, e um frio que fazia bater o queixo. Indiferentes àquilo tudo, um par de tamancos azul, cheirando a couro ainda, seguiam pendurados nos pés da minha irmã caçula. Eu, fitava-os misteriosamente e eles, em troca, querendo me dizer alguma coisa, exerciam um poder hipnotizador sobre mim. E eu não conseguia pensar em mais nada. Até o frio tinha ido embora. O medo dos trovões e da escuridão, tronaram-se distantes. A correria aumentava à medida que a chuva se tornava mais grossa, e nessa tentativa de chegar mais rápido em casa, foi que meu pai não vendo com clareza o que tinha à sua frente, tropeçou em alguma pedra e se espatifou no chão. Por sorte não se machucou e nem tampouco minha irmã que estava em seus braços. Por um instante a minha preocupação com ambos, trouxe-me de volta à realidade. Passado o susto, percebi que o par de tamancos estava desfeito. Agora, solitariamente, um só calçado prendia-se ainda que sem vontade, ao pé de minha irmã. Aquilo me causou uma tristeza estranha. Pensava em minha irmã, sem os belos tamancos, mas pensava também no outro pé do calçado, jogado à lama, sozinho. O que isso siginificava em mim? É verdade que pelo caminho vamos perdendo muitas coisas. Outras deixadas, propositadamente, para trás. E nunca sabemos qual delas nos sustenta e qual dos sentimentos nos revela. Os tamancos me apontavam as possíveis perdas, o caminho as vezes solitário, as separações, os rumos seguidos por cada um de nós. Que mesmo distantes, separados, sabe-se lá, em algum lugar ou dimensão. Me mostravam que, invariavelmente, alheios a nossas vontades, somos obrigados a encarar as ausências, a distância, o medo. Tudo isso revelado dentro dos sentimentos mais infantis. Exatamente como agora, pois o que fala em mim é a percepção daquele menino que ainda procura entender o significado de tantas outras coisas.

sábado, 9 de agosto de 2008

Memórias

Quando era pequeno, isso há uns bons 30 e poucos anos atrás, todos nós, meus pais e irmãos, íamos passar a semana santa num pequeno povoado chamado Melancias. Uma pequena vila constituída basicamente por duas famílias: as do Félix e Moura e as do Rolim e Albuquerque. Lá, nos reuníamos sempre! E vinha gente de tudo que era das redondezas. Como uma boa comunidade católica, acontecia além da festa religiosa, com missas e procissões, resas e jejuns, a festa que simboliza a traição de Judas, conhecida como a "Malhação do Judas". No sábado de Aleluia, o Judas, representado por um boneco de pano, era brutalmente espancado, castigo recebido por ter traído Jesus. Só que, durante a semana que antecedia essa farra, costumavam passar pelo povoado os tão esperados e temidos "Caretas". Homens e mulheres que se fantasiavam de monstros, vestidos com palhas de bananeira e máscaras disformes, alguns com enorme chicotes, para açoitar alguém caso quisesse desmascarar e revelar sua identidade. Sim, porque nessa brincadeira, não se sabia a identidade de nenhum deles. Lembro que ficavam tentando adivinhar quem seria o mascarado. E nesse advinha "quem será esse?", sempre aparecia algum engraçadinho querendo arrancar a máscara. E nessa tentativa, na grande maioria frustrada, logo começavam os açoites e correria pela vila. Sim, porque todos os mascarados se juntavam em defesa do companheiro ameaçado em sair do anonimato e o castigo pelo atrevimento era umas belas chicotadas, que aqui pra nós, deveria doer bastante. Pra uns era a mais pura diversão, ainda que levasse uma meia dúzia de chicotadas. Mas para os mais novos como eu, que tremia de medo dos "monstros", ficar em baixo da cama era o lugar mais seguro. Ficavamos ali, eu e mais uma penca de primos, todos a escuta de uma voz, que vinha como um alívio, de que os Caretas tinham ido embora. E era sempre mais de uma leva de mascarados. Durante toda a semana, passavam várias turmas de vários outros povoados, composto por no mínimo uns 10 mascarados. Alguns conhecidos como os mais violentos, mas não menos enfrentados. Uma farra, ainda que ficasse em baixo da cama, acompanhada através da imaginação, guiada pelos chocalhos e falas dos mascarados e pela conversa dos familiares sobre quem seria os atores daquela famosa festa da Malhação do Judas.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Clarice e eu

Quase sempre sem querer, a gente acaba enveredando por um ou outro caminho ou gosto literário. Também é quase sempre sem querer que acabamos conhecendo esse ou aquele escritor, seja ainda na infância, na adolescência ou até mesmo na fase adulta. E aí acontecem as paixões. E essas paixões são inevitáveis! Lembro-me que numa dessas tardes quentes, deitado em uma rede cheio de preguiça e conversando com amigos sobre literatura, cronistas, poetas, um amigo recém chegado da cidade de São Paulo, me apresenta Clarice. Eu, que morava numa pequena cidade do interior nordestino, no sertão paraibano, pouco ou nada sabia sobre sua obra. Cheirando a curiosidades, esse meu amigo agora já meio paulistano, me manda uma edição do livro, "A Descoberta do Mundo". Eu nem sabia por onde começar, tamanha era a ansiedade. Compulsivamente, passava os olhos apressados por suas páginas e lia, ainda que de forma aleatória, trechos e mais trechos de seus textos, tentando desvendar todo aquele mundo clariceano que abriria tantos outros mundos. Era de perder o fôlego! Pausas longas eram feitas para que a respiração voltasse ao normal. Lia e relia. Passava adiante. Volta à primeira página. Era preciso entender, ou não. O mais importante é sentir Clarice. Sentir o cheiro de seus personagens, tocar os sentimentos, os nobres e os mesquinhos, ouvir as vozes ora sufocadas, ora histéricas. Enxergar através da cegueira. É preciso mergulhar em seu próprio oceano e desvendar os mistérios. Clarice parece querer revelar algo em nós, mas reservando sempre uma surpresa. Parece querer dizer, falar, mas numa espécie de mudez que nos incomoda. Parece querer mostrar que num gesto que vacila, podemos compreender o incompreensível. E ai, surpreendentemente, revela-se a sua magia. É como querer entender a mágica apenas com a razão, mas sem prestar atenção no mágico. Clarice, nas suas cronicas, revela-se, revela-me, revela-te. E ao mesmo tempo se faz misteriosa. Nos faz anôninmos e nos torna impenetráveis.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Elba, maravilhosa!

Acabei de acordar. A hora não importa. Cheguei tarde da noite em casa. Melhor dizendo, já passava de uma hora da madrugada. Fui convidado por um amigo a ir no show de Elba Ramalho. Sempre gostei da sua voz e do seu jeito de cantar. Mas ouvir na voz de Elba alguns clássicos da mpb como "Sala de reboco, De volta pro meu aconchego, Toque de fole", entre tantas outras de Luiz Gonzaga e algumas canções composta por Flávio José é um encantamento só! Primeiro, porque sou nordestino e essa poesia da música cantada por ela me faz alcançar as mais tenras lembranças da minha terra, da minha gente. Segundo, porque Elba é uma das poucas cantoras brasileiras que cantou e ainda canta um nordeste forrozeiro, festivo. Ao som da velha e boa sanfona, triângulo e zabumba, fazia e faz o caboclo se espremer em salas de reboco, como diz a canção. Arrastá poeira em terreiros de chão batido, levemente molhados horas antes de começar o forró danado. E nem isso roubava o brilho da festa. Na voz de Elba, podemos sentir esse passado bem perto e podemos até sentir o cheiro da terra molhada e ver o queimar de fogos, como se fossem estrelas dançando no céu de tanta alegria.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

A Borboleta

Sete horas. O despertador anuncia um novo dia, ainda que tardiamente. O sol já se levantou. Lá fora, ruídos de carros, ônibus e o movimentar nas ruas dos apressados e ainda meio sonâmbulos. Eu aqui dentro a passos lentos. A rotina se apodera de mim. Pesa em mim. Percebo que é mais um dia de trabalho. Preciso apressar-me. Chuveirada quente me faz despertar. Despertar para uma vida que pulsa em mim. Penso silenciosamente. Me arrasto como um bicho preguiça. Ao sair do banheiro surpreendo-me com uma visita inesperada. Uma borboleta aproveita-se da varanda aberta e silenciosamente e imóvel, fica a bisbilhotar a minha intimidade. Nem me dei conta direito! Volto ao meu ritual. E ela lá, a borboleta, que num colorido entre tons de azul, verde, branco e amarelo, desconcentra-me. Logo eu, que sou tão ritualístico. Mas a borboleta lá, parecendo querer me mostrar que a leveza do ser se constrói a cada amanhecer. Antes cazulo, hoje essa liberdade das horas. E eu aqui, preso à minha própria liberdade.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

O início

De início foi surgindo meio que sem vontade, apenas uma curiosidade aguçada tomava conta de mim. Queria escrever, queria um espaço para desenhar em palavras e suspiros às minhas vontades poéticas e as coisas que acontecem. Uma espécie de diário. Mas não só isso. Queria abrir uma janela para ver nascer a prosa, a poesia, a crônica. Sem muita pretensão, não! Só um pouco de liberdade. E nada de me prender a formas literárias. Só queria me sentir meio poeta, leitor de mim mesmo. Escutar narrativas que se agigantam dentro de mim. Vou sair por ai, suspirando palavras que guardam memórias de nós mesmos. Que encerram o nosso dia a dia, talvez o meu, o seu, talvez as coisas e o tempo.