sexta-feira, 13 de março de 2009

A Coruja

Todos os dias, logo pela manhã, ela está lá, erecta, em pé. Não sei o que tanto olha, mas olha como se fosse um olhar de surpresa. Emite som estranho, como se fosse dizer algo. A mim, me parece um tipo de engasto, ou vômito, coisa assim. Uma impressão de enjôo constante. Mas até onde compreendo, também não consigo alcançar. Talvez seja só uma saudação matinal, talvez. Sempre elegante, roupa engomada, com ar nobre, alerta, como se tivesse vigiando cada passo, cada atitude, cada palavra dita. Sob o céu azul da Esplanada do Ministérios, parece querer desvendar mistérios outros, inauditos. De olhos arregalados como se fosse para não perder nada, nenhum movimento suspeito ou ameaçador, mantém-se feito cão de guarda, a ponto de avançar caso precise. Mostra-se impaciente e quase nunca aberta a diálogos mais íntimos. Fica lá, assim, como se sua vida fosse um eterno despertar. Mas ao mesmo tempo me parece tão frágil, de uma solidão tão azul quanto o céu, e tão imensamente grandiosa, quanto a sua eternidade. Um estrangeiro em terras outrora desertas. Os palitós e gravatas que circulam ao seu redor, não são mais elegantes que sua linhagem. O que lhe dá vida é o movimento, nada mais. Um movimento tão sutil quanto o breve olhar sem interesse. Olhar que apenas olha e o identifca como uma coruja que se perdeu no meio de tantos poderes.

quarta-feira, 11 de março de 2009

(In)Classificável

Ainda estou meio tonto pelo que vi e vivi. Sábado passado fui convidado por um amigo a ir assistir ao mais novo show de Ney Matogrosso, intitulado "Inclassificáveis". É de arrepiar! Sempre ouvi comentários sobre a maravilhosa performance do cantor no palco, mas, nem de longe, poderia imaginar que seria tão perfeita! Logo de início, ao abrir das cortinas me deparei com uma Fênix, no sentido mais metaforico da palavra. Sim, porque o que eu vi foi pura mitologia! Ney mais parecia um pásaro pousando ali, suavemente. A cada gesto, uma poesia bailada e iluminada pela luz dos grandes mitos. Porque Ney é mito e Ney é metáfora também. Mito porque quando sobe ao palco parece literalmente renascer sempre. E é na sua voz que ecoa rasgando o próprio tempo, que ele parece dizer, repetidamente, sonoramente, que sim ele é imortal. Metáfora porque ele por si só cria essa dualidade de ser homem e mito. "Inclassificáveis", meu Deus! Realmente pode-se dizer de boca cheia que seu mais novo show é inclassificável, porque não se pode mensurar o que é imensurável aos olhos do poeta. E Ney também é poeta. Num intervalo de uma música para outra, uma pausa para a troca do figurino, diga-se de passagem um luxo! Mas Ney, como era de se esperar, pelo grande artista que é e pela naturalidade que domina o palco, faz dessa troca uma brincadeira gostosa com o público, com cenas cheias de sensualidade e muito charme. Reverencia grande poetas, como Cazuza, ao abrir e encerrar seu show cantando "O tempo não para" e "Pro dia nascer feliz", respectivamente. Gesto dos grande artistas que dividem com humildade o palco com os outros mestres da música, em forma de homenagem. Assistir ao show de Ney é sentir-se hipnotizado pela beleza, pela poesia, pelo gesto, pela palavra, pela voz, pela grandiosidade de um artista de estatura mediana e aparentemente frágil, que se agiganta à medida que canta, como se fosse um dom, e é.