sexta-feira, 13 de março de 2009

A Coruja

Todos os dias, logo pela manhã, ela está lá, erecta, em pé. Não sei o que tanto olha, mas olha como se fosse um olhar de surpresa. Emite som estranho, como se fosse dizer algo. A mim, me parece um tipo de engasto, ou vômito, coisa assim. Uma impressão de enjôo constante. Mas até onde compreendo, também não consigo alcançar. Talvez seja só uma saudação matinal, talvez. Sempre elegante, roupa engomada, com ar nobre, alerta, como se tivesse vigiando cada passo, cada atitude, cada palavra dita. Sob o céu azul da Esplanada do Ministérios, parece querer desvendar mistérios outros, inauditos. De olhos arregalados como se fosse para não perder nada, nenhum movimento suspeito ou ameaçador, mantém-se feito cão de guarda, a ponto de avançar caso precise. Mostra-se impaciente e quase nunca aberta a diálogos mais íntimos. Fica lá, assim, como se sua vida fosse um eterno despertar. Mas ao mesmo tempo me parece tão frágil, de uma solidão tão azul quanto o céu, e tão imensamente grandiosa, quanto a sua eternidade. Um estrangeiro em terras outrora desertas. Os palitós e gravatas que circulam ao seu redor, não são mais elegantes que sua linhagem. O que lhe dá vida é o movimento, nada mais. Um movimento tão sutil quanto o breve olhar sem interesse. Olhar que apenas olha e o identifca como uma coruja que se perdeu no meio de tantos poderes.

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