sábado, 9 de agosto de 2008

Memórias

Quando era pequeno, isso há uns bons 30 e poucos anos atrás, todos nós, meus pais e irmãos, íamos passar a semana santa num pequeno povoado chamado Melancias. Uma pequena vila constituída basicamente por duas famílias: as do Félix e Moura e as do Rolim e Albuquerque. Lá, nos reuníamos sempre! E vinha gente de tudo que era das redondezas. Como uma boa comunidade católica, acontecia além da festa religiosa, com missas e procissões, resas e jejuns, a festa que simboliza a traição de Judas, conhecida como a "Malhação do Judas". No sábado de Aleluia, o Judas, representado por um boneco de pano, era brutalmente espancado, castigo recebido por ter traído Jesus. Só que, durante a semana que antecedia essa farra, costumavam passar pelo povoado os tão esperados e temidos "Caretas". Homens e mulheres que se fantasiavam de monstros, vestidos com palhas de bananeira e máscaras disformes, alguns com enorme chicotes, para açoitar alguém caso quisesse desmascarar e revelar sua identidade. Sim, porque nessa brincadeira, não se sabia a identidade de nenhum deles. Lembro que ficavam tentando adivinhar quem seria o mascarado. E nesse advinha "quem será esse?", sempre aparecia algum engraçadinho querendo arrancar a máscara. E nessa tentativa, na grande maioria frustrada, logo começavam os açoites e correria pela vila. Sim, porque todos os mascarados se juntavam em defesa do companheiro ameaçado em sair do anonimato e o castigo pelo atrevimento era umas belas chicotadas, que aqui pra nós, deveria doer bastante. Pra uns era a mais pura diversão, ainda que levasse uma meia dúzia de chicotadas. Mas para os mais novos como eu, que tremia de medo dos "monstros", ficar em baixo da cama era o lugar mais seguro. Ficavamos ali, eu e mais uma penca de primos, todos a escuta de uma voz, que vinha como um alívio, de que os Caretas tinham ido embora. E era sempre mais de uma leva de mascarados. Durante toda a semana, passavam várias turmas de vários outros povoados, composto por no mínimo uns 10 mascarados. Alguns conhecidos como os mais violentos, mas não menos enfrentados. Uma farra, ainda que ficasse em baixo da cama, acompanhada através da imaginação, guiada pelos chocalhos e falas dos mascarados e pela conversa dos familiares sobre quem seria os atores daquela famosa festa da Malhação do Judas.

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