segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Meninice

Nada como nadar num rio, pelado e com a inteira liberdade dos peixes. E essa liberdade vinha com o inverno. Eram outros tempos. Tempos memoráveis. Ser criança era guardar a magia dos segredos e da inocência. E os segredos se multiplicavam durante as chuvas e enchentes que sempre traziam consigo, além da esperança espalhada pelos pastos, a alegria estampada nos olhos. O nosso melhor segredo, corria por debaixo da ponte e por cima dela, trens carregavam sonhos. Digo nosso, porque dividia com mais meia dúzias de amigos e primos. Lembro que o tempo se preparava, mudava de cor. Ventos anunciavam a chegada de muita chuva. Era o inverno que nascia de nuvens carregadas e de relâmpagos nervosos. Cheio de ansiedade, ficava deitado na rede escutando a chuva batendo no telhado. Desejava chover a noite toda e por vários dias. E esse desejo tinha uma explicação: ver o rio ser rio novamente, porque com a estiagem ou a seca, o rio mais parecia um corte na terra. Uma rachadura. Uma ausência. Após dias e dias de muita chuva, tudo se transformava. A natureza respirava aliviada. Os bichos mudavam de humor. E o povo caminhava mais corajosamente. Eu, me reunia com a mulecada e, às escondidas, ia partilhar alegrias. Corria para o rio. Nadava incansávelmente. Subia na ponte e pulava na água. Repetia o mesmo ato inúmeras vezes, antes que o rio se fosse novamente. Antes que aquela veia d'água, voltasse a ser um espaço vazio e uma ausência sem nome, que só entende quem vive em terras cheias de cicatrizes.

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